17.11.12

Tenho Saudades


Do tempo em que a inocência regia minha vida.

Tenho saudades do centro tão movimentado daquela pequena cidade. Aquele dia que perdi a mão de minha mãe. Aquele dia em que me agachei e chorei, esperando por um abraço. Esperando por meus amigos. Esperando por um alô de alguém que se importasse. Saudoso me lembro daquela primeira década, para um pequeno adquiri tantas lembranças gostosas, de amizades que se tornaram tão importantes. Mas que o tempo parece ter levado. Nunca esqueço das brigas, entre nós três. Muitas delas. Não culminavam em absolutamente nada. Voltavámos e nos abraçavamos. Lembro do esconde-esconde, pois eu nunca me superava, pois eu sempre ficava bravo.

Das festas juninas em nossa escolinha, da oportunidade de ser seu parzinho. E de ter medo de segurar sua mão por não gostar de meninas, por serem tão bobas e chatas. E dançamos, e deixei minha mãe contente. E saí, a correr. Era a pipoca que estourava. Era o algodão doce. Era o seu bilhete. Um bilhetinho, que recebi acompanhado de meus amigos. Um cartão de paixão. Uma cartinha de carinho. Eu fiquei vermelho, de raiva. E constrangido. Mas ainda estou a pensar... estava a querer saber, quem havia me mandado. Talvez, algum dia descobrirei.

Eu lembro dos recreios, aqueles em que dividíamos nosso lanchinho, aqueles em que cantavámos pela nossa saúde. Era o danone, era o passatempo. Você sempre me pedia, mas eu nunca dividia. Odiava meninas, chatas e bobas! Nunca vou me casar! Meninas ficam brincando de bonecas no mundinho rosa delas! Chatas! Mas esse pensamento infantil existia porque eu queria sentar ao seu lado. E tinha medo. E ficava chateada quando dava mais atenção as suas amigas a mim. Por isso você era chata. Por isso eu não deixava você sentar do meu lado, por isso me afastava de você. Eu gostava de você.

Nunca me esquecerei de quando sentei do seu lado, nas aulas de história. E do quanto eu tentava lhe impressionar com minha inteligência. Eu sempre levantava e explicava com orgulho minha resposta. Queria que me percebesse. Mas você nunca olhava para mim. Sua boba!

E então, nunca mais. Eu fui embora. Perdi amigos. Perdi você. Perdi minha infância.

Eu tenho saudades da praça. De brincar na areia. De me balançar o mais alto, vontade de rodar o balanço e enrolá-lo na madeira. E me jogava na areia. E ria. Com meu irmão. E o escorregador. Eu descia de ponta-cabeça, e caía de boca na areia. E dava risada dos meus hematomas. E dava risada dos meus arranhões. E sorria quando me via sujo de terra. Eu lembro das corridas de bicicleta, e como caía frequentemente. E de como me levantava aos prantos.

Tenho saudades da rua de casa, naquele condomínio nas tardes de outono, onde sentava sobre a calçada e ficava a observar a correria dos homens, tão preocupados com a pressa, tão inconformados com suas vidas, tão egoístas a ponto de não enxergarem a tamanha felicidade ao seu redor, coisas simples.

Tenho saudades da frente de casa, onde sentava sozinho no jardim, gostava de pegar as pedrinhas do chão e atirá-las na rua pela incrível falta do que fazer. Arriscava furar os pneus dos carros, assim minha mente infantil acreditava. Um pequena pedra, uma pequena vontade de chamar a atenção.

Eu gostava da brisa que batia em meu rosto, eu não entendia como aquilo me deixava feliz. O vento que me arrastava, tão desafiador. A chuva que chegava tão amedrontadora. Do gosto da chuva. Eu lembro de como voltava aos passos contados, aos passos contidos, para aproveitar a água que caía. Para me molhar, para chutar as poças. Para pular entre elas. Eu tenho saudade.

Sinto falta das longas caminhadas à escola. Não me custavam trinta minutos, mas espelhavam um tempo eterno em minha mente. Eu observava o céu, o sol, as árvores se contorcendo conforme os ventos de inverno chegavam. E eu sinto mais falta ainda daqueles longos cabelos louros esvoaçados. Era a descida culminante. Quando lhe vi pela primeira vez, me contagiei de algo diferente. Você era uma garota, e eu um pobre menino. Eu tinha medo novamente. E eu pensava em chamar sua atenção, passando pela sua rua quando voltava, e eu queria tocar a campainha. Para falar para você que eu existia. Mas quando a toquei, me botei a correr. Eu era um menino, não sabia lidar com meu coração. Não sabia lidar com essa pressão.

Você apareceu em minha sala, seus cabelos louros me mostraram a certeza. Eu gostava de você, e eu queria que soubesse. Eu lhe fazia sorrir. Eu me escondia de você, e você sorria para mim, e eu ficava feliz. Eu me fiz perceber. Me fazia de inteligente, respondia as perguntas e você olhava para mim. E eu engasgava, por que me encarava? Por que me atrapalhava?

E mais uma vez eu parti. E deixei minha infância para trás. Seus rostos sorrindo a mim, ao meu lado. Eu queria ter lhes dito. Eu queria que vocês tivessem sabido. Eu queria. E eu tenho saudades. Eu sempre lembro, eu sempre recordo. Sempre estou a pensar. Em você, principalmente. Eu sempre lembro de todos, com muito carinho. Eu nunca esqueço daquele tempo, naquela cidadezinha.

Eu nunca esquecerei, de você e de nossas lembranças. Das minhas lembranças. Eu não mudei, eu sou o mesmo. Sou inocente, sou ingênuo. Sou uma criança, um menino que quer aquela menina chata do meu lado, pedindo para repartir uma bolacha.

"Eu lhe dou o recheio." Eu disse.

E você me beijou. Na bochecha.